Tuesday, January 31, 2006

 
Conto

Liliana vivia perto da costa, numa gruta. A gruta tinha túneis que davam acesso a vários sítios.
Meteu-se por um deles, que dava para o mar e aí chegada, sentou-se numa pedra a pensar...
-Que prenda poderia ela dar à divindade, pois que se aproximava o dia de lha levar?

Era este o seu problema ultimamente, mas por mais que pensasse não conseguia achar nada suficientemente valioso.
Liliana sabia que outros teriam outros meios e mais ideias, até valores que não pensava almejar, mas ela queria algo de intrínseco, próprio, único, que só um deus a sério poderia entender que seria mesmo dela.
E assim passou bastante tempo a ver o mar...

Deus tinha tudo, fosse o que fosse que levasse...
Voltou à gruta, melancólica, ía aquecer-se ao lume, talvez surgisse uma ideia...

As ideias vinham em desfile, mas Liliana não lhes achou proveito,não podia adiar mais.
Metendo-se por outro túnel bem comprido, foi sair junto a um monte de pedras cobertas de musgo e a uns arbustos que disfarçavam a entrada.
O terreno alongava-se campos fora com arvores dispersas quase a perder de vista, não fora ao longe, enfileiradas, as que bordejavam a floresta.

Parecia-lhe impossível, mas por mais que lhe ocorresssem ideias, nada lhe parecia suficientemente bom e estava de mãos vazias.
À sua volta o céu era azul claro, havia pouco vento e tudo tinha tons de verde, claros e escuros em contraste com a terra de barro acastanhado.

Pelo caminho em direcção à floresta sentiu que as suas vestes de linho e serapilheira talvez não fossem as mais apropriadas, mas também não tinha outras. Olhou os pés e as sandálias e então viu-a: uma folhinha...
Uma folha verde simples, mas bem delineada, com a nervura inteira, lanceolada, sem estar partida ou carcomida, de um verde intenso e perfeitinha. Era como uma folha pode ser, só folha, simples e que, no entanto, encerrava em si a história toda, porque nela estava contida a essência da natureza.

-Só um deus irá perceber o que lhe quero dizer quando lhe entregar isto, porque é tudo o que tenho e não possuo mais do que isto. Ele vai compreender...

Isto ía Liliana pensando enquanto se embrenhava mais e mais pela floresta.

Chegou a uma clareira aonde havia um lago e aí era suposto alguém vir receber os presentes para levar à divindade.
Não lhe pareceu ver ningém no lago rodeado de pedras, até que o movimento suave denunciou uma criança.
Quase nu, só com uma tanga,levantou-se e esperou que Liliana se aproximasse para lhe entregar aquilo que levava.

Liliana, envergonhada, estendendo as mãos em forma de concha, entregou-lhe esperançada aquela verde folhinha...

-Desculpe, só tenho isto.. disse ainda, atrapalhada.

Quando se virava para refazer o caminho, a criança chamou-a com um sorriso e entregou-lhe em mão uma folha igualzinha, só que esta era dourada.

Liliana não esperava, ficou muda de espanto. Como é que podia ser? O que tinha acontecido? O que queria isto dizer?

Liliana dava consigo a meditar à beira-mar, sem saber bem se a folhinha existia ou se tinha só sonhado...

Ana Paula Oliveira
Foto de Isabel Nobre Santos

1 Comments:

At 2:35 AM, Blogger Isabel José António said...

Esta história, poderosamente simbólica, é de uma grande beleza e encerra um ensinamento que só pudemos apreciar! Muito obrigada à Ana Paula por estar tão frequentemente presente com os seus comentários e também com o envio de mensagens, poemas e, agora, esta história! Quem sabe, viremos a ouvir mais coisas sobre Liliana e a sua Jornada Mítica e Espiritual?

Um abraço para a Ana Paula!

Isabel e José António

 

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